29 September 2006 

2. Crónicas

Imortal

Por vezes assolam-me exemplos agrestes da fragilidade desta nossa existência fugaz. Nesses momentos busco tranquilidade nos sentimentos e sentidos de acontecimentos ou objectos passados para submergir numa realidade mais árdua e realizar que o passado é assim mesmo, passado, cada vez mais distante.
Li algures que a nossa ideação de momento presente corresponde a cerca de três segundos, a nossa memória anterógrada e selectiva considera tudo para lá desses três segundos como passado, três segundos bem medidos.
Convencionamos a medida da nossa existência em anos terrestres para constatarmos com ar atónito que já cumprimos algumas dezenas de movimentos de translação em volta do Sol (uns mais à deriva que outros).
Nessa encruzilhada da nossa existência a dialética vida/morte tem a legitimidade de nos pregar partidas tenebrosas e recorda-nos que também nós não ficaremos por cá para sempre.
Lembro me do caso de um jovem que tropeçou inocentemente na maior desgraça que a genética nos pode provocar. Alto e forte, respirava vivacidade, brilhava disfarçadamente e de forma naíf uma força e vontade de viver. Penso, à posteriori, que, ou desconhecia a mutação irreversível que tinha provocado condenáveis estragos no seu organismo, ou vivia a planar na fase de negação do acontecimento mais terrível que começava a enfrentar.
Recordo-me de ele dizer ostensivamente que pertencia às forças especiais da ordem e da paz, e de afirmar, com uma expressão desgostosa, desde da sua alcova infortúnia, que se sentia fraco incapaz de enfrentar uma matilha de malfeitores. Recordo como o seu olhar transfixava o meu para se fixar no infinito de uma linha no tecto da enfermaria, e, como eu, amedrontado pela noção exposta da minha própria mortalidade, me refugiava nos apontamentos e gráficos desconexos à minha frente, deslumbrando o percurso da minha vida nesse intricado, complexo e infidável de linhas e algoritmos, cores, nomes de moléculas, bips graves e agudos, unidades e diluições, eixos elétricos, ondas, ritmos e pressões...

27 September 2006 

A Liberdade é a Possibilidade do Isolamento

"A liberdade é a possibilidade do isolamento.
És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre.
E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do Destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti, se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo dela."

Fernando Pessoa, in 'Livro do Desassossego'

22 September 2006 

La haine (scratchin')

La meilleur scéne du film du guetho "L´haine".

18 September 2006 

1. Crónicas

A valsa do amor...

A Maria era uma mulher divorciada indisciplinada, irreverente por causa nenhuma. Secretária numa firma de advogados da Avenida Estados Unidos da América, que detestava secretamente a sua vizinha de trabalho para quem praguejava disfarçadamente sempre de sorriso aberto. Nunca dispensava no intervalo religioso da manhã o chocolate quente intragável da máquina de café, que bebia de um único trago enquanto sorvia meio cigarro já humedecido a olhar perdidamente para o mofo do ar condicionado. Era supersticiosa nata, ao ponto de todas as 3ªs sextas feiras do mês vestir uma peça de cor vermelha, vermelha não, encarnada. Sempre irritada com o excesso de peso e ausência de cintura da sua juventude. Julgava se azarenta e gostava de almoçar sozinha e anónima numa praça de restauração de um centro comercial enquanto ouvia o hip-hop burgês da nova geração de rappers dos subúrbios e sentia um prazer incompreensivel ao escutar os anúncios ilógicos da rádio.
O António era um fantasista platónico. No trajecto para o trabalho vivia um amor em Acapulco com a empregada do café que lhe servia os croissants (o António nunca tinha ido a Acapulco) para logo se enamorar nos alpes Suíços com a motorista do eléctrico, (o António nunca tinha visitado a Suíça, ou melhor conhecia a pastelaria Suíça do Rossio onde ia espreitar os turistas na esplanada) e apaixonar-se perdidamente num bar polinésio do Nordeste Brasileiro pela estudante estravagante que se ajoelhava na caixa automática do Cais do Sodré para levantar o bilhete do metro (o António nunca tinha ido à Polinésia, mas já tinha visitado Belo Horizonte com um grupo de amigos do Norte). Era um amor platónico repetido nos 45 minutos até picar o ponto na Torre do Tombo. No pico da sua esquizofrenia visitava enamorado cinco vezes cinco continentes até chegar estafado à estação do Campo Grande.
O António e a Maria encontraram-se por coincidência numa fila de pseudo junk food de comida saudável ambos de tabuleiro empranchado a escolherem toppings plastificados.
O António não se apaixonou. A Maria vestia uma saia vermelha. Vermelha não...

16 September 2006 

Sonic Youth - Kool Thing (*)

Kool Thing

Kool Thing sittin' with a kiddie
Now you know you're sure lookin' pretty
Like a lover not a dancer
Superboy take a little chance here
I don't wanna, I don't think so
I don't wanna, I don't think so

Kool Thing let me play it with your radio
Move me, turn me on, baby-o
I'll be your slave
Give you a shave
I don't wanna, I don't think so
I don't wanna, I don't think so

Yeah, tell'em about it,
hit'em where it hurts
Hey, Kool Thing, come here, sit down
There’s something I gotta ask you.
I just wanna know, what are you gonna do for me?
I mean, are you gonna liberate us girls
From male white corporate oppression?
Tell it like it is!
Huh?
Yeah!
Don’t be shy
Word up!
Fear of a female planet?
Fear of a female planet?
Fear, baby!
I just want to know that we can still be friends
Come on, come on, come on, come on let everybody know
Kool, kool thing
Kool, kool thing

When you're a star, I know that you'll fix everything
Kool Thing sittin' with a kiddie
Now you know you're sure lookin' pretty
Rock the beat just a little faster
Now I know you are the master
I don't wanna, I don't think so
I don't wanna, I don't think so

Kool thing walkin' like a panther
Come on and give me an answer
Kool thing walkin' like a panther
What’d he say?
I don't wanna, I don't think so
I don't wanna, I don't think so


(*) to the light of my life, someone I love and care too too much

 

Homens-Bombo

Os Timbila Muzimba actuaram na última quarta-feira na sala 2 da Casa da Música, a orquestra de Moçambique, constituída por jovens com garra de difundir a música tradicional do seu país com timbilas, marimbas e ngomos, não desiludiu. Mia Couto chamou-lhes os homens-bombo.

10 September 2006 

Studio One


(Ska, Rocksteady, Reggae, Dancehall)

Where it all begun!
Presenting Soul Jazz Records @ STUDIO ONE with:
Lone Ranger, The Skatalites, The Ethiopians, Lincoln Sugar Minott, Ken Boothe, Alton Ellis, King Stitt, The Gladiators, Sylvan Morris, Bob Marley, Wailing Souls, Dennis Brown, The Heptones, Lee Perry, Horace Andy, The Gladiators, Burning Spear, Toots & the Maytals, John Holte and many more...

08 September 2006 

Fanfare Ciocarlia



Depois de terem ficado retidos no El Prat em Barcelona que os impediu de tocarem nos concertos de verão no Porto mantiveram o prometido de repetir um concerto no Palácio de Cristal, hoje os Fanfare Ciocarlia facilmente não desiludiram.
O bando de bonacheirões da banda Romena, exímios tocadores de instrumentos de sopro que lhes permite lançar fogo de artifíco em espirais ascendentes das tubas, trombones e trompetes, ora insuspeitamente alegres ou disfarçadamente formais, que atravessam directamente a cóclea para arranharem a pele em melodias Ciganas, Romenas, Eslavas...

05 September 2006 

Memoirs of 9-11

After 5 years of the event that changed our era, Portuguese public television network, RTP , following the example of other media networks, dedicate several documentaries on the subject.
They seem to be sufficiently impartial to give us several perspectives on the causes and consequences of the events on the (and around) 11th September.
It seems a shame that documents as "Loose Change" will be on air only at an inapropriate timetable.
I feel very uncertain concerning what is usually named "conspiracy theories", but I believe that it is fair to allow every opinion open to a free discussion and debate.

02 September 2006 

The Road to Guantanamo


Temos a oportunidade de assistir no conforto das nossas salas de cinema ao novo filme/documentário de cariz político e social de Michael Winterbottom: The Road to Guantanamo.
Um documentário baseado em factos reais iniciados na soleira do nosso espaço Europeu.

No filme Road to Guantanamo, carregado de imensa actualidade (voltam à superfície suspeitas de tortura em prisões Americanas estando a ser equacionado pelas autoridades um destino politicamente aceitável para a prisão de Guantanamo) retrata a história verídica de 3 cidadãos do Reino Unido de origem Paquistanesa ("tipton three") que são capturados no Paquistão e conduzidos ao infame Camp Delta em Guantanamo, Cuba.

Num post anterior referi-me a um filme deste realizador que, após o relativo sucesso com "24 Hour Party People" à volta do movimento artístico musical da Manchester (Madchester do fim dos anos 80), dá uma volta radical na sua linha creativa para incluir temas de cariz social e político que nos assolam diariamente nos media.
Já em "In this world" transporta-nos como testemunhas in loco ao longo da odisseia de dois refugiados Afgãos a viver no Paquistão através da Ásia até alcançarem o pseudo shangri-la Europeu.
As imagens filmadas "on hand" da passagem do Curdistão Iraniano para a meseta Turca através da neve fugindo às patrulhas fronteiriças estão carregadas de uma beleza inquietante, tal como as imagens fugazes de celebrações Xiitas duma pequena cidade no Norte do Irão, da beleza inebriante dos cavalos Árabes à venda na beira da estrada, da vista da encosta da cidade de Quetta no Paquistão, dos bazares coloridos e ruidosos de Peshawar...