2. Crónicas
Imortal
Por vezes assolam-me exemplos agrestes da fragilidade desta nossa existência fugaz. Nesses momentos busco tranquilidade nos sentimentos e sentidos de acontecimentos ou objectos passados para submergir numa realidade mais árdua e realizar que o passado é assim mesmo, passado, cada vez mais distante.
Li algures que a nossa ideação de momento presente corresponde a cerca de três segundos, a nossa memória anterógrada e selectiva considera tudo para lá desses três segundos como passado, três segundos bem medidos.
Convencionamos a medida da nossa existência em anos terrestres para constatarmos com ar atónito que já cumprimos algumas dezenas de movimentos de translação em volta do Sol (uns mais à deriva que outros).
Nessa encruzilhada da nossa existência a dialética vida/morte tem a legitimidade de nos pregar partidas tenebrosas e recorda-nos que também nós não ficaremos por cá para sempre.
Lembro me do caso de um jovem que tropeçou inocentemente na maior desgraça que a genética nos pode provocar. Alto e forte, respirava vivacidade, brilhava disfarçadamente e de forma naíf uma força e vontade de viver. Penso, à posteriori, que, ou desconhecia a mutação irreversível que tinha provocado condenáveis estragos no seu organismo, ou vivia a planar na fase de negação do acontecimento mais terrível que começava a enfrentar.
Recordo-me de ele dizer ostensivamente que pertencia às forças especiais da ordem e da paz, e de afirmar, com uma expressão desgostosa, desde da sua alcova infortúnia, que se sentia fraco incapaz de enfrentar uma matilha de malfeitores. Recordo como o seu olhar transfixava o meu para se fixar no infinito de uma linha no tecto da enfermaria, e, como eu, amedrontado pela noção exposta da minha própria mortalidade, me refugiava nos apontamentos e gráficos desconexos à minha frente, deslumbrando o percurso da minha vida nesse intricado, complexo e infidável de linhas e algoritmos, cores, nomes de moléculas, bips graves e agudos, unidades e diluições, eixos elétricos, ondas, ritmos e pressões...
Por vezes assolam-me exemplos agrestes da fragilidade desta nossa existência fugaz. Nesses momentos busco tranquilidade nos sentimentos e sentidos de acontecimentos ou objectos passados para submergir numa realidade mais árdua e realizar que o passado é assim mesmo, passado, cada vez mais distante.
Li algures que a nossa ideação de momento presente corresponde a cerca de três segundos, a nossa memória anterógrada e selectiva considera tudo para lá desses três segundos como passado, três segundos bem medidos.
Convencionamos a medida da nossa existência em anos terrestres para constatarmos com ar atónito que já cumprimos algumas dezenas de movimentos de translação em volta do Sol (uns mais à deriva que outros).
Nessa encruzilhada da nossa existência a dialética vida/morte tem a legitimidade de nos pregar partidas tenebrosas e recorda-nos que também nós não ficaremos por cá para sempre.
Lembro me do caso de um jovem que tropeçou inocentemente na maior desgraça que a genética nos pode provocar. Alto e forte, respirava vivacidade, brilhava disfarçadamente e de forma naíf uma força e vontade de viver. Penso, à posteriori, que, ou desconhecia a mutação irreversível que tinha provocado condenáveis estragos no seu organismo, ou vivia a planar na fase de negação do acontecimento mais terrível que começava a enfrentar.
Recordo-me de ele dizer ostensivamente que pertencia às forças especiais da ordem e da paz, e de afirmar, com uma expressão desgostosa, desde da sua alcova infortúnia, que se sentia fraco incapaz de enfrentar uma matilha de malfeitores. Recordo como o seu olhar transfixava o meu para se fixar no infinito de uma linha no tecto da enfermaria, e, como eu, amedrontado pela noção exposta da minha própria mortalidade, me refugiava nos apontamentos e gráficos desconexos à minha frente, deslumbrando o percurso da minha vida nesse intricado, complexo e infidável de linhas e algoritmos, cores, nomes de moléculas, bips graves e agudos, unidades e diluições, eixos elétricos, ondas, ritmos e pressões...