30 July 2006 

41º 09´26.74´´ N
8º 36´ 35.42´´ W
Altitude: 421 ft

 

Tindersticks-Travelling Light

There are places I don't remember
There are times and days, they mean nothing to me
I've been looking through some of them old pictures
They don't serve to jog my memory

I'm not waking in the morning, staring at the walls these days
I'm not getting out the boxes, spread all over the floor
I've been looking through some of them old pictures
Those faces they mean nothing to me no more

I travel light
You travel light
Everything I've done
You say you can justify, mmm you travel light
I can't pick them out, I can't put them in these sad old bags
Some things you have to lose along the way
Times are hard, I'll only pick them out, wish I was going back
Times are good, you'll be glad you ran away

Do you remember, how much you loved me?
You say you have no room in that thick old head
Well it comes with the hurt and the guilt, and the memories
If I had to take them with me I would never get from my bed
There's a crack in the roof where the rain pours through
That's the place you always decide to sit
Yeah I know I'm there for hours, the water running down (my) (your)face
Do you really think you keep it all that well hid?

No but I travel light
You don't travel light
Everything I've done
It's just a lie, you don't travel light

I'm travelling light
No you don't travel light
I'm travelling light
No, no, you don't travel light
I'm travelling light
You don't travel light

28 July 2006 

TABACARIA (de Álvaro de Campos)

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu."


 

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25 July 2006 

Sono

Que raio de vitríolo colocam no meu almoço?! Passo a tarde a lutar para não adormecer contra os olhos pesados que que me atraiem para um labirinto soporífero... (" b o c e j o ")

21 July 2006 

«...pouco para dizer, muito para escutar, tudo para sentir...»

"Há um traço azul no futuro incandescente" (Francisco Amaral)
Felizmente a Íntima Fracção da Noite não acabou...

19 July 2006 

Mitos urbanos e infodependência... [um mini ensaio]

Vivemos momentos perigosos de tecnodependência... A existência de empresas e instituições públicas que cada vez mais contam com as novas tecnologias de comunicação para a sua gestão e estruturação tornam, por vezes, o dia comum cada vez mais perigoso para quem não dominar a estratégia que lhe está subjacente.

A informação já não é sinónimo de riqueza, i. e. pelo princípio de oferta e procura a informação está muito desvalorizada, pois a oferta quantificada de informação é astronómica.
Cada vez mais é o tipo de informação que vale riqueza. A informação mais cotada é, exactamente, aquela que nos indica onde está a informação que procuramos.
Deste modo, aqueles que dominam a língua actual da tecnologia estão cada vez mais ricos, logo, porque ganham tempo em efectuar actividades ou tomar decisões... e tempo é riqueza, nem que esta seja transformada sob forma de tempo de lazer (entenda-se prazer).

O perigo advém da própria dependência que estes modus vivendi pode gerar. Não me refiro a dependência antropológica mas social e até civilizacional.

Primeiro porque a infosociedade cria elites e marginais, de uma forma subtil e cínica. Numa olhada parece uma revolução democrática e generalista, anárquica mas, igualmente, capitalista defendendo os mais fortes e emprendedores como aqueles mais entregues a sacrifícios para as suas gerações futuras; no entanto, penso que a longo prazo a população real, que, por motivos seus alheios, não estavam no cais emocional e racional certo, entregam-se, sem poderem optar, à exploração óbvia, por vezes até, pelos seus próprios pares

Em segundo, porque a civilização (termo mais correcto seria a pancivilização) infotecnológica cria dependência e hábitos que, por auto inerência, está sujeita ao ERRO.
O Erro pode ser indetectado e, de acordo com a teoria da bola de neve, em que um erro consequentemente leva outro numa dialética de fractal até se transformar num erro imparável, irreversível e de dimensões cósmicas, pode levar a possíveis consequências inimagináveis.

A ficção científica de histórias em que um comum mortal na sua vida monótona vê-se imediatamente sem identidade ou posses materiais numa prisão do Arkansas; ou em que meios de transporte de massa, como comboios, aviões foram subitamente desviados da sua rota ou ficaram sem combustível por um simples erro de cálculo de conversão de unidades, são cada vez mais reais.

Importa portanto criar uma filosofia de sobrevivência dentro desta forma de vida, que poderá passar por recuar a princípios simples e primários da existência humana, descobrir formas OBJECTIVAS de utilizar sustentavelmente as ferramentas à nossa disposição, mas, sobretudo, por fenómenos de acuidade e percepção das nossas responsabilidades individuais e dos problemas complexos a que estamos, como sociedade global, sujeitos a sofrer.

14 July 2006 

...back online from my nest...